O ativista Nico Calabrese afirmou à CNN que a tripulação da flotilha detida por Israel na quarta-feira (1º) foi colocada em situação de fome e sede. Calabrese integrava a delegação brasileira interceptada na última quarta-feira (1º).Deportado neste sábado (5) para a Turquia, o ativista relata à CNN o que viu durante os três dias que passou detido por forças de Israel. Segundo ele, a líder da flotilha Greta Thunberg é mantida isolada e é o principal alvo de “humilhações”.“Greta foi a que mais sofreu a humilhação, a provocação constante, as piadas constantes, colocaram a bandeira Israel bem do lado dela, obrigaram ela a beijar a bandeira de Israel”, disse.A mesma situação é relatada por outros deportados. O Ministério das Relações Exteriores de Israel, no entanto, nega quaisquer maus-tratos contra os detidos.“Todos os direitos legais dos detidos são plenamente respeitados”, declarou em publicação na rede social X.Nicolas Calabrese é professor de educação física no Rio de Janeiro e militante do PSOL. Cidadão argentino e italiano, vive no Brasil há mais de dez anos. A expectativa é que ele retorne ao Brasil nesta segunda (6).O restante da delegação, que conta com 14 brasileiros – entre eles a deputada Luizianne Lins (PT-CE) – segue em uma unidade prisional em Ketziot, no sul de Israel, sem previsão de deportação. Leia mais Reino Unido amplia poderes da polícia para repressão de protestos Secretário de Trump diz que "tem autorização" para ataques no Mar do Caribe Após o plano de Trump para Gaza, quão perto a guerra está do fim? Veja a entrevista na íntegra: CNN: Como aconteceu a interceptação?Calabrese: “Eu estava num barco de 38 pessoas, o maior da flotilha, com cinco brasileiros. Sou argentino, moro no Rio de Janeiro. Vimos pelo radar os barcos israelenses se aproximando. No dia anterior, eles já tinham se aproximado e usado uma onda eletromagnética que bloqueou todos os aparelhos eletrônicos. Na quarta-feira, vimos 12 barcos não identificados vindo em alta velocidade. Avisamos pelo rádio que éramos uma missão humanitária, sem armas, em águas internacionais, e que qualquer intervenção violaria o direito de navegação. Mesmo assim, eles invadiram nosso barco.”CNN: Como foi essa abordagem?Calabrese: Aproximadamente 13 soldados israelenses entraram armados, com fuzis e pistolas apontadas. A gente já estava preparado para não reagir com violência. Jogamos facas de cozinha no mar e mostramos que seria uma resistência pacífica. Mesmo assim, fomos revistados, obrigados a ficar em silêncio e sem alimentação durante 15 horas. Só tivemos acesso a um pouco de água e biscoitos nossos.CNN: E o que aconteceu ao chegar em Israel?Calabrese: Ficamos mais 15 horas sem comer. Foi um dos momentos mais violentos. Fomos levados à força, com travas no braço e golpes na cabeça. Ficamos de joelhos no chão quente, olhando para a parede. Dois minutos de joelhos já é ruim, em horas, o tempo não passa. A fome que você sente a partir das 20 horas sem se alimentar… cada minuto pesa muito.CNN: Como Greta Thunberg foi tratada durante a ação?Calabrese: A nossa companheira Greta Thunberg foi a que mais sofreu a humilhação, a provocação constante, as piadas constantes. Colocaram a bandeira de Israel bem do lado dela, obrigaram ela a beijar a bandeira de Israel. Ela não teve acesso a água, assim como nós. Nós não tínhamos acesso a água em uma garrafa fechada que a gente pudesse ter certeza que seria água limpa.CNN: Vocês foram levados para a prisão em seguida?Calabrese: A gente passou por um processo de triagem, onde a gente era constantemente empurrado, arrancaram nossas pulseiras, arrancaram nossos colares, tentaram fazer com que a gente assinasse que a gente ingressou ilegalmente no território israelense. O que é mentira, ninguém assinou. O trajeto do porto para a prisão foi o momento mais difícil. Tive os pulsos amarrados muito apertados e, ao mesmo tempo, os olhos vendados. Quando eu entro no carro-jaula (sic) eu ouço constantemente golpes. Estavam dando socos e tapas nos companheiros. Uma situação muito tensa. O sufoco da superlotação, cada vez mais pessoas entrando. Depois, ligaram o ar condicionado muito gelado e tiraram nossos agasalhos. Uma situação de humilhação, de provocação psicológicaCNN: Como eram as condições dentro da prisão?Calabrese: Na prisão, a gente não tinha comunicação nenhuma, a gente não sabia como estavam os companheiros dos outros barcos. Alguns foram fazer uma audiência de custódia, mas não tinha advogado. A gente não podia tomar banho, a gente tinha um banheiro para urinar, fazer as necessidades, mas sem tomar banho. A gente não saía, não podia sair para dar cela. Ficamos ali dentro sem possibilidade do banho de sol ou de respirar o ar fresco. Depois eu fiquei sabendo que a gente estava no meio de um deserto, uma prisão no meio de um deserto. Era muito seco. A gente ficava com a boca seca. A água que a gente bebia era da torneira mesmo. A gente ficava com muito calor durante o dia, com muito frio durante a noite. Uma sela para oito, a gente estava entre dez a dezessete pessoas.CNN: Você conseguiu recuperar seus pertences?Calabrese: Eu fui libertado e não tive acesso aos meus pertences, nem ao meu documento da Argentina, só o passaporte italiano. Nem à minha roupa, nem ao meu brinco, minha carteira, minha mochila, meu instrumento, minha calça, nada. Saí com a roupa da prisão e, dessa forma, cheguei no primeiro momento na Turquia, onde a gente recebeu doação de roupas para conseguir se vestir.CNN: Você teve contato com os outros brasileiros detidos?Calabrese: Na minha cela estava o Magno, o mais velho da delegação brasileira. Ele conseguiu acesso a medicamentos e me disse que os demais estavam bem. Mas isso foi na sexta-feira. Depois, nenhuma informação. Essa falta de comunicação é uma violência. As famílias não sabem como estão seus parentes, e o governo brasileiro precisa agir com mais determinação.”CNN: Você teve notícia da deputada Luizianne Lins?Calabrese: Infelizmente, não. A gente não tinha nenhuma informação das companheiras mulheres, só conseguia ver a área masculina.CNN: Você precisou assinar algum documento antes de sair?Calabrese: Sim. Havia três documentos. Um dizia que entramos ilegalmente em Israel, ninguém assinou. O segundo não me foi apresentado. O terceiro era sobre deportação em até 72 horas. Eu assinei esse último.”CNN: A deportação ocorreu por mediação da Itália?Calabrese: “Sim, por meio do governo italiano. Minha família teve contato direto com a diplomacia da Itália, e eles informavam tudo o que acontecia.