Dez decisões que mudaram o Mundo 

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A Segunda Guerra Mundial reconfigurou o século xx de formas que ainda hoje se fazem sentir. E essa guerra – a mais horrível da História – foi em grande medida moldada por um certo número de decisões fatais tomadas por líderes das maiores potências mundiais no período de meros dezanove meses, entre maio de 1940 e dezembro de 1941. Quanto mais o século xx se aproximava do fim, mais evidente se tornava que o seu período definidor fora o da Segunda Guerra Mundial. É claro que a Primeira Grande Guerra fora «a catástrofe original».(…) Mas esse segundo conflito não foi apenas ainda mais sangrento (…) e genuinamente mais global; foi também mais profundo nas suas consequências duradouras e na reformulação das estruturas mundiais de poder. A Segunda Guerra Mundial também deixou à Humanidade uma nova e horrível palavra, que cada vez mais veio a ser considerada uma característica definidora do século: genocídio. E embora, lamentavelmente, estivesse longe de ser a única questão nesse século martirizado, aquilo que viria a ficar conhecido como «Holocausto» – a tentativa da Alemanha nazi de eliminação planeada de onze milhões de judeus, um projeto genocida sem precedentes históricos – deixou marca perene e fundamental nas décadas seguintes. Em termos de política de poder, o legado do Holocausto determinou, e deu legitimidade, à fundação do Estado de Israel, com apoio de grande parte do mundo, mas ferozmente criticado pelos vizinhos do novo país, que tinham perdido território, e conduzindo inevitavelmente a conflitos intermináveis – e de crescente gravidade – no Médio Oriente, com enormes implicações para o resto do mundo. As decisões tomadas pelos líderes da Alemanha, Grã-Bretanha, União Soviética, Estados Unidos, Japão e Itália – países com sistemas políticos e processos de decisão muitos diversos  – impulsionaram-se e interligaram-se entre si. Como foram tomadas essas decisões? Sob que influências agiram os responsáveis de tais decisões? (…) Qual o grau de racionalidade dessas decisões – e tratava-se de decisões que significavam guerra – em termos dos objetivos de cada um dos regimes e à luz das informações de que dispunham? Que papel desempenharam os indivíduos situados no cerne do processo de decisão, e em que medida ele variou conforme o sistema político a que dizia respeito? De que liberdade desfrutavam os líderes de tempo de guerra no respetivo processo de decisão? Uma decisão implica que há escolhas a fazer, e alternativas possíveis. Para os protagonistas, mesmo os ideologicamente mais determinados (ou condicionados), estavam em questão considerações vitais, eram necessários juízos de avaliação decisivos e enormes os riscos a correr.  1. Londres, Primavera de 1940A Grã-Bretanha decide continuar a lutar  A decisão britânica de continuar a combater significava que era impossível a Hitler dar por finda a guerra a ocidente. Isso desde logo aumentou grandemente o risco enorme que ele assumira. (…) E por detrás da Grã-Bretanha estava o poderio dos Estados Unidos, e a probabilidade de o auxílio americano ao esforço de guerra britânico estar cada vez mais perto. Na opinião de Hitler, o tempo não estava do lado da Alemanha. A Alemanha tinha de tirar a Grã-Bretanha da guerra antes que os americanos se dispusessem e tratassem de entrar nela. Se tal acontecesse antes de a Alemanha ter o domínio completo da Europa e todos os recursos do continente à sua disposição, as probabilidades de vitória final ficariam seriamente diminuídas, e até mesmo, a longo prazo, decisivamente comprometidas. A decisão britânica de continuar em guerra impôs, portanto, a Hitler um novo sentimento de urgência. Se o Governo britânico não quisesse negociar termos, Hitler só via duas soluções: impor uma derrota militar à Grã-Bretanha; ou obrigá-la a reconhecer a supremacia alemã no continente mediante a derrota da União Soviética numa campanha rápida, com o objetivo derradeiro de manter os americanos fora da guerra.   2. Berlim, Verão e Outono de 1940 Hitler decide atacar a União Soviética  A enormidade do que Hitler estava a propor parece, à luz do que depois aconteceu, pura loucura. (…) Porque a terá tomado, então? Terá sido simplesmente o sentimento de infalibilidade na avaliação militar que o extraordinário triunfo em França tinha gerado, ou talvez apenas acentuado? Seria o cúmulo lógico de toda uma ideologia ilógica, irracional e lunática apontada à destruição do «bolchevismo judaico»? Se a decisão era uma loucura, porque terão os chefes militares concordado com ela? Terá sido uma mera questão de um ditador a impor as suas próprias ideias alucinadas ao ceticismo dos seguidores? Existiriam outras alternativas que tenham sido perentoriamente rejeitadas? Ou será que, como as suas palavras sugerem, a estranha decisão tinha por base imperativos estratégicos, imperativos esses que deixavam a Hitler menos liberdade de escolha do que à primeira vista se julgaria? (…) Em 1940, incapaz de pôr fim à guerra, já só restava a Hitler, e ao regime que contribuíra para o colocar naquela posição, uma única opção: continuar a apostar, escolher, como sempre, a jogada mais ousada e proativa, de varrer os russos «como uma tempestade de granizo» e fazer com que o mundo «travasse o fôlego». Era uma loucura, mas havia método nela.  3. Tóquio, Verão e Outono de 1940O Japão decide agarrar a «oportunidade de ouro»  No Extremo Oriente grassava uma outra guerra muito diferente. Tinha começado em julho de 1937, mais de dois anos antes da guerra europeia, e testemunhara barbaridades infligidas pelas tropas japonesas sobre a população civil chinesa que igualavam na sua pavorosa desumanidade as que os polacos viriam a sofrer às mãos dos conquistadores alemães a partir do outono de 1939. «O incidente da China», como os japoneses invariavelmente apelidavam a guerra com a China, era completamente autónomo em relação à guerra europeia iniciada com a invasão da Polónia em 1 de setembro de 1939. (…) A estrada para Pearl Harbor estava, porém, ainda longe de ser de sentido único. Mas o verão de 1940 foi o período em que a liderança japonesa deu passos vitais que acabariam por fundir as duas guerras separadas, na Europa e na China, numa única e enorme conflagração mundial.  4. Roma, Verão e Outono de 1940Mussolini decide aproveitar a situação  Foi o próprio Mussolini que tomou as decisões fatais que levaram a Itália a entrar na guerra, e depois embarcar na desastrosa invasão da Grécia. Disso não restam dúvidas. Mas como se chegou a essas decisões? Em que medida foram elas decisões individuais? Até que ponto se terá sobreposto a vontade arbitrária do ditador aos desejos e objetivos de outros membros da elite de poder do Estado fascista, particularmente dos militares? Ou será que o «decisionismo» de Mussolini era um mero reflexo da atitude prevalecente do regime como um todo? Terão as decisões sido fundamentalmente pragmáticas ou ideológicas, resultantes de oportunismo de curto prazo ou coerentes com objetivos de longo prazo, um corte com a perene continuidade das expectativas italianas ou o seu cumprimento imaginado? (…) Ou será que tanto ele como o regime dispunham – fossem quais fossem as suas opções preferidas – de verdadeiras alternativas no verão e outono de 1940, alternativas que ele e o regime teriam decidido rejeitar em benefício da ilusão de ganhos fáceis e colheitas generosas na esteira das conquistas alemãs da Europa Ocidental?  5. Washington, DC, Verão de 1940– –Primavera de 1941Roosevelt decide ajudar a Grã-Bretanha  Discursando em Boston, em 30 de outubro de 1940, durante a campanha eleitoral para um inédito terceiro mandato, o Presidente Franklin Delano Roosevelt fez uma promessa à sua audiência: «E enquanto vos falo, a vós mães e pais», declarou o Presidente, «dou-vos uma garantia mais. Já o disse antes, mas di-lo-ei outra vez e outra e outra: os vossos filhos não vão ser enviados para uma guerra estrangeira.» A afirmação foi vista como o mais explícito compromisso com a neutralidade americana, com a manutenção dos Estados Unidos fora da guerra que grassava na Europa e ameaçava uma derrota alemã da Grã-Bretanha. Nesse verão de desesperança, o esforço de guerra britânico ganhara alento decisivo na esperança de que a América em breve se juntaria à guerra contra a Alemanha de Hitler. Winston Churchill estava desesperadamente impaciente para que os Estados Unidos deixassem para trás a neutralidade e apoiassem ativamente a causa britânica.  6. Moscovo, Primavera–Verão de 1941Estaline decide confiar em Hitler  «Lenine deixou-nos um grande legado, mas nós, os seus herdeiros, f ______ tudo.» Estaline proferiu este desabafo furioso nesse momento sombrio em que ele e o reduzido grupo dos mais próximos colaboradores saíam da tensa reunião no Comissariado da Defesa, seis dias depois de a invasão alemã de 22 de junho ter apanhado a União Soviética surpreendentemente desprevenida. Foi o mais perto que Estaline chegou de aceitar a responsabilidade pelo clamoroso erro de avaliação que permitiu ao Exército alemão avançar vertiginosamente 500 quilómetros por território soviético em poucos dias, capturando ou matando um enorme número de soldados soviéticos, e destruindo milhares de tanques e aviões na primeira vaga da ofensiva.   7. Washington, DC, Verão–Outono de 1941 Roosevelt decide travar uma guerra não declarada  (…) Roosevelt enfrentou a maior ameaça, tal como a via, da guerra na Europa nas novas circunstâncias resultantes da invasão alemã da União Soviética. E aí, embora as circunstâncias se tivessem alterado, não se alterara o dilema fundamental de Roosevelt. A questão que continuava a ter perante si era a de como proporcionar o máximo de apoio à Grã-Bretanha (e agora, como julgava imperativo, também à União Soviética), uma política que tinha o apoio da maioria da população, sem envolver os Estados Unidos diretamente na guerra, coisa a que a grande maioria dos americanos se opunha. Um dos problemas imediatos, já mencionado, era a questão de proporcionar auxílio material à União Soviética mediante o alargamento do Lend-Lease. (…) Uma segunda e muito mais problemática questão era como abordar, de uma posição de neutralidade, a batalha que grassava no Atlântico. Aqui, o dilema de Roosevelt assumia contornos cada vez mais agudos. Fazia pouco sentido fornecer mercadorias à Grã-Bretanha se todas elas acabavam pura e simplesmente no fundo do Atlântico. (…) Roosevelt considerou razoável prosseguir no seu número de equilíbrio, aplacando a opinião pública, do mesmo passo que ia correndo riscos cada vez maiores de confronto armado numa «guerra não declarada.»  8. Tóquio, Outono de 1941 O Japão decide entrar na guerra  A ofensiva de Hitler destruiu de uma penada a esperança japonesa de uma coligação de forças com Alemanha, Itália e União Soviética destinada a dissuadir as potências ocidentais de iniciarem hostilidades no Extremo Oriente contra o Japão, enquanto o país estabelecia o seu domínio sobre a «Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental». A força impulsionadora por detrás de tal estratégia fora o ministro dos Negócios Estrangeiros Matsuoka Yosuke, que, em abril, na sequência de visitas a Berlim e Roma, conseguira um espetacular êxito diplomático com a assinatura em Moscovo do Pacto Japonês-Soviético de Neutralidade. Essa estratégia ficava agora em ruínas. Em vez disso, erguia-se a perspetiva de a União Soviética, obrigada, apesar das divergências ideológicas, a virar-se para Grã-Bretanha e América em busca de auxílio no confronto com a Alemanha nazi. O Japão via-se condenado a ficar diplomaticamente mais isolado do que nunca. E continuava sem descobrir uma saída para o atoleiro chinês.  9. Berlim, Outono de 1941 Hitler decide declarar guerra aos Estados Unidos  No clímax do seu longo discurso no Reichstag na tarde de 11 de dezembro de 1941, Hitler anunciou que o esforço da Alemanha e da Itália para evitar que a guerra alastrasse, e para manter relações com os Estados Unidos da América, apesar de anos de «intolerável provocação pelo Presidente Roosevelt», tinham falhado. Consequentemente, e nos termos do Pacto Tripartido de 27 de setembro de 1940, Alemanha e Itália viram-se compelidos, juntamente com o Japão, «a empreender em conjunto a luta pela defesa, e com isso a preservação da liberdade e independência dos respetivos povos e impérios contra os Estados Unidos e a Inglaterra». A declaração oficial de guerra tinha sido lida sonoramente horas antes nessa mesma tarde ao chargé d’affaires americano em Berlim por Joachim von Ribbentrop, ministro dos Negócios Estrangeiros do Reich, cuja leve vénia no final da audiência pusera fim às relações entre Alemanha e Estados Unidos.  10. Berlim/Prússia Oriental, Verão–Outono de 1941 Hitler decide matar os judeus  Em 12 de dezembro de 1941, um dia depois de anunciar a declaração de guerra da Alemanha aos Estados Unidos, Hitler falou aos líderes do seu partido na Chancelaria do Reich, em Berlim. Depois de uma longa análise do estado da guerra, passou à posição dos judeus. O ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, registou o que ele tinha a dizer: «No que respeita à Questão Judaica, o Führer está disposto a liquidá-los de vez. Profetizou que, se provocassem uma nova guerra mundial, haveriam de experimentar a sua própria aniquilação. Não eram palavras vãs. A guerra mundial está aqui. A aniquilação dos judeus terá de ser uma consequência necessária. Esta questão deve ser encarada sem sentimentalismo. Não devemos nutrir simpatia pelos judeus, mas apenas simpatia pelo povo alemão. Se o povo alemão sacrificou agora cerca de 160 000 homens na campanha oriental, os instigadores deste conflito sangrento terão de pagar por isso com as próprias vidas.» A decisão de matar os judeus resultou do objetivo primário, e absolutamente intrínseco ao nazismo, de os «remover». Hitler nunca perdera de vista esse objetivo desde 1919. (…) A agressão da Alemanha foi a principal causa da segunda imersão da Europa em guerra numa mesma geração. Foi, além disso, o gatilho decisivo, no verão de 1940, para a espiral de eventos que acompanhámos, transformando conflitos em lados opostos do globo em dezembro de 1941 numa guerra mundial. Por detrás dessa agressão estava uma «missão» ideológica encarnada na figura de Adolf Hitler. E intrínseca a essa «missão» estava a «remoção» dos judeus. Desta forma, a guerra dos nazis aos judeus foi um componente central e inextricável da própria Segunda Guerra Mundial – a maior chacina que o mundo conheceu.  Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.O conteúdo Dez decisões que mudaram o Mundo  aparece primeiro em Revista Líder.