Penso, logo existo. Ou não será, decido, logo sinto? No verão de 1995 era publicado em Portugal O Erro de Descartes, onde António Damásio mudaria para sempre o paradigma da relação entre a razão e a emoção. O dogma de que as decisões sensatas exigem uma cabeça fria caía por terra. «No que têm de melhor, os sentimentos encaminham-nos na direção correta, levam-nos para o lugar apropriado do espaço de tomada de decisão onde podemos tirar partido dos instrumentos da lógica», afirma o neurocientista. Corpo, cérebro e mente são um só bloco onde aspetos do processo da emoção e do sentimento são indispensáveis para a racionalidade. Admiro quem decide seguir o seu gut feeling sem descurar um caminho ponderado e razoavelmente estruturado, mas que na sua base tem uma raiz visceral, que vem da intuição e de uma convicta paixão. Tenho como referência duas mulheres, com percursos profissionais de destaque, ambos vincados pelo instinto. Lynsey Addario, fotojornalista norte-americana, fez a cobertura das guerras no Afeganistão, após o 11 de Setembro, Iraque, Líbano, Darfur e Congo. Quando foi raptada no Líbano, em plena Primavera Árabe, experiência que descreve na sua autobiografia É Isto que Eu Faço, questiona a decisão que tomou ao escolher a sua profissão: «Porque pões a vida em risco em função de uma fotografia? É uma forma de ganhar a vida, mas mais parece uma responsabilidade, uma vocação. Faz-nos felizes porque nos dá algum sentido. Ainda assim, pagamos um preço elevado por este compromisso. Quando um jornalista é abatido num tiroteio, ou pisa uma mina, e vê as pernas amputadas, ou devasta a vida da família e dos amigos por ter sido raptado, questiono-me quanto à razão que me levou a escolher esta vida.». A outra mulher é a inglesa Jane Goodall, que em 1960, com 26 anos, foi para o Gombe, na Tanzânia, estudar o comportamento dos chimpanzés. É também no seu livro autobiográfico Reason for Hope que partilha o momento da sua chegada à floresta, só classificada como reserva natural seis anos mais tarde. «Lembro-me de como iria conseguir encontrar os chimpanzés. Recordo-me de não sentir nem alegria nem ansiedade, apenas uma curiosa sensação de distanciamento. Já sentia que pertencia a este novo mundo florestal. Dei por mim a pensar: “É aqui que eu pertenço. Foi para isto que vim ao mundo”». Duas perspetivas antagónicas, mas que bebem de uma fonte comum, um saber imediato, não verbalizado, que vem de uma convicção de se saber estar certo ou errado, sem provas explícitas. O gut feeling funciona como um sinal que nos ajuda a escolher quando a razão pura seria lenta ou insuficiente. Descartes fez o “erro” de ter separado razão e emoção, António Damásio vem mostrar que sentir ajuda a pensar bem. E, já agora, a decidir também. Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.O conteúdo Decidir bem exige sentir bem aparece primeiro em Revista Líder.