Brasileiros ‘mergulham’ em buracos negros com um dos telescópios mais avançados do mundo

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Pesquisadores brasileiros foram selecionados para realizar observações no telescópio terrestre mais caro e com a maior resolução em ondas milimétricas já construído: o ALMA (Atacama Large Millimeter Array), no Chile. A equipe irá investigar como os “ventos” liberados pelos núcleos de galáxias próximas influenciam o gás frio no espaço. Entender esse fenômeno pode dar novas pistas sobre como os buracos negros supermassivos afetam a formação de estrelas.Os cientistas participam do projeto BAH, sigla para “Blowing Star Formation Away in Active Galactic Nuclei Hosts” (Suprimindo a Formação Estelar em Galáxias com Núcleos Ativos, em português) – além de ser uma referência à famosa expressão gaúcha.Liderados pelo doutor em astrofísica Rogemar Riffel, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o grupo participará do 12° ciclo de observações do ALMA, que começa nesta quarta-feira (1) e vai até 30 de setembro de 2026.As observações são realizadas pela própria equipe do telescópio e podem acontecer em qualquer momento ao longo desse período, a depender das condições climáticas. Assim, os pesquisadores não precisam se deslocar até o Chile, acessando os dados remotamente.Projeto BAH tem 7,5 horas do telescópio terrestre mais caro já construído para estudar nuvens de gases frios em galáxias próximas. Imagem: B. Tafreshi (ESO)O projeto da UFSM terá 7,5 horas de observação para captar dados de cinco galáxias localizadas a diferentes distâncias da Terra:NGC 5695, a 212 milhões de anos-luz;NGC 3884, a 349 milhões de anos-luz;NGC 1048A, a 534 milhões de anos-luz;UGC 8782, a 662 milhões de anos-luz; eCGCG 012-070, a 711 milhões de anos-luz.“Todas essas galáxias foram identificadas com excesso de emissão de hidrogênio molecular, característica que nos interessa. Essa molécula é o principal combustível da formação de novas estrelas”, explicou Riffel em entrevista ao Olhar Digital.Além da abundância de moléculas de hidrogênio, as integrantes da lista estão próximas o suficiente para que os astrônomos possam “resolvê-las”. Isso significa que suas características são distinguíveis, o que é essencial para entender suas propriedades.“Pretendemos estudar a distribuição do gás molecular. A partir disso, investigar como fenômenos associados à física da acreção de buracos negros supermassivos podem afetar a formação de estrelas nessas galáxias e sua evolução”, diz o professor.Além da UFSM, há pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O projeto também conta com cientistas do Centro de Astrobiologia da Espanha, do Instituto de Física Fundamental de Madri, do Instituto de Astrofísica das Canarias e da Universidade Jhon Hopkins, nos Estados Unidos.Dos átomos aos buracos negros supermassivos: como nascem as estrelasO estudo abordará como os núcleos ativos de galáxia (AGN, na sigla em inglês) afetam a formação de estrelas. Os AGN são buracos negros supermassivos capturando matéria no centro de galáxias. Nesse processo, eles formam um disco de acreção, que emite radiação e partículas, nomeadas de ventos ou outlflows.Ao redor deles, existem nuvens compostas majoritariamente por moléculas de hidrogênio, elemento base da formação estelar. Quando essas nuvens, com temperaturas próximas do zero absoluto (-273,15 ºC), colapsam sob a força da gravidade, começa o processo de estruturação de uma nova estrela.Isso acontece porque o gás se concentra em regiões cada vez menores, aumentando a temperatura e a pressão. Quando o núcleo desses aglomerados atinge cerca de 10 milhões de graus Celsius, inicia-se a fusão nuclear, liberando luz e calor. Dessa forma, o gás molecular se transforma em uma estrela.Representação artística de um buraco negro supermassivo ativo lançando poderosos jatos. Imagem: ESO/L. CalçadaEsse processo é impactado pelos outflows. Segundo Riffel, esses ventos podem aquecer o gás e diminuir a formação estelar, o que muda o rumo da evolução da galáxia afetada. Em casos especiais, essas emissões têm efeito contrário: comprimem as nuvens gasosas, o que aumenta a taxa de criação de estrelas.Há também os jatos de rádio emitidos por alguns AGNs. Esse fenômeno pode impedir o surgimento estelar em uma escala maior, pois atinge os gases na periferia de sua galáxia. “Quando estudamos as nuvens moleculares frias, mapeamos diretamente a capacidade de crescimento e de formação estelar. Então entendemos como essas galáxias evoluem”, explica o astrofísico.Pequenas moléculas revelam a evolução de galáxiasCom o ALMA, a equipe de pesquisadores do BAH irá observar os diferentes efeitos dos outflows. Porém, essa não é uma tarefa simples. Para detectar o fenômeno, eles selecionaram a molécula de monóxido de carbono (CO) como “traçadora” do gás molecular frio, sendo capaz de revelar as propriedades dessas nuvens cósmicas.A escolha se deu porque, embora o hidrogênio seja o elemento mais abundante nesse gás, ele não emite radiação detectável em baixas temperaturas. Já o CO libera quantidades maiores de radiação em um espectro que o ALMA pode detectar. Ilustração do gás molecular de alta densidade fluindo da galáxia em direção ao buraco negro supermassivo em seu centro. Imagem: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), T. Izumi et al.O professor explica que, a partir da intensidade dessa emissão, é possível estimar a quantidade de gás presente graças a calibrações, ou seja, regras de conversão: determinada luminosidade de CO corresponde a uma certa massa de gás. Além disso, a equipe poderá analisar as condições químicas e físicas das nuvens moleculares.Entender o gás frio ajuda a completar a forma como a humanidade compreende o cosmos. “Simulações cosmológicas precisam incluir essas informações. Nós estamos fornecendo dados observacionais necessários para aprimorar os modelos de formação do Universo”, diz Riffel.Leia mais:“As Meteoríticas”: brasileiras conquistam o mundo com a ciência dos meteoritosSanto Sudário: artigo brasileiro lidera ranking mundial de influência em arqueologiaFusão de buracos negros mais barulhenta já detectada confirma teoria de Stephen HawkingO ALMA: um gigante atento aos detalhesA escolha do ALMA para o estudo tem como principal fator a potência desse equipamento. Localizado a 5.000 metros de altitude no deserto de Atacama, ele é composto por 66 antenas metálicas instaladas sobre trilhos e combina os sinais coletados por cada uma delas em um único feixe, ampliando a sensibilidade das observações por meio de um processo chamado interferometria.Reconhecido pelo Guinness Book, o livro dos recordes, como o telescópio terrestre mais caro já construído, o ALMA tem especialidade em detectar os detalhes em observações milimétricas e submilimétricas do espectro eletromagnético, podendo captar ondas que variam de 0,32 mm a 8,5 mm – faixa em que a maioria das moléculas estudadas emite radiação.“Embora com pouco tempo de observação – são 7,5 horas para cinco galáxias, um pouco mais de uma hora por galáxia – com o ALMA conseguiremos detectar a emissão dessas moléculas de CO e estudar em detalhes o gás molecular”, relata o professor.Considerado o maior complexo de radiotelescópios em operação do mundo, o observatório ALMA, no Chile, é capaz de captar ondas na faixa dos milímetros. Imagem: NSF / AUI / NSF NRAO / B.FoottO projeto aprovado dá continuidade a pesquisas anteriores realizadas pelo grupo. O BAH nasceu em 2019, quando Riffel fazia pós-doutorado na Universidade John Hopkins. À época, a equipe compilou dados do Telescópio Spitzer, antecessor do Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, para estudar galáxias próximas com abundância de hidrogênio molecular em nuvens de gás morno (cerca de 500 a 700°C).Em 2021, o grupo foi selecionado para analisar três dessas galáxias com o JWST. Nessa pesquisa, puderam examinar como os buracos negros supermassivos se alimentam. Também estudaram como os outflows liberados durante esse processo impactam as nuvens de gás. Um ano depois, em 2022, utilizaram o telescópio Gemini para observar gases ionizados (10 a 20 mil °C), os mais quentes conhecidos.No novo estudo, o grupo vai investigar a fase do gás ainda não explorada: o estado mais frio do material no meio interestelar. “A porção de gás molecular frio não pode ser observada pelos outros telescópios. Agora, com o ALMA, conseguimos completar esse quadro incluindo a fase de menor temperatura”, explica Riffel.Mais detalhes sobre o BAHOs cientistas brasileiros do projeto BAH estudarão as observações nos laboratórios de astrofísica da UFSM e UFRGS. As ferramentas, computadores e bolsas de mestrado e doutorado são financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).A equipe nacional conta com os doutores Marina Bianchin, Thaisa Storchi Bergmann e Rogério Riffel (os últimos dois são da UFRGS), os doutorandos Gabriel Luan Souza de Oliveira, José Henrique Costa Pinto Souza e Lucas Ramos Vieira e a mestranda Maitê Silvana de Zorzi de Mellos.Entre os pesquisadores internacionais estão Luis Colina Robledo e Ismael García-Bernete, ambos do Centro de Astrobiologia, na Espanha; Miguel Pereira Santaella, do Instituto de Física Fundamental, também na Espanha; e Nadia Zakamska, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.Embora o Brasil não contribua financeiramente para o ALMA, cientistas daqui e de todo o mundo podem inscrever seus projetos para realizar observações no telescópio. O custeamento dessa ferramenta ocorre por uma colaboração entre observatórios da Europa (Observatório Europeu do Sul), América do Norte (Fundação Nacional de Ciências dos EUA e o Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá), o Leste Asiático (Institutos Nacionais de Ciências Naturais do Japão e a Academia Sinica de Taiwan) e a República do Chile.O post Brasileiros ‘mergulham’ em buracos negros com um dos telescópios mais avançados do mundo apareceu primeiro em Olhar Digital.