Com uma química explosiva, onde fica o amor? 

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Na última semana, a notícia mais comentada foi a respeito da tal “química” entre Lula e Trump após o encontro de pouco mais de trinta segundos durante a Assembleia da ONU. No dia seguinte, em entrevista à imprensa, Lula afirmou que as relações humanas são constituídas por 80% química e 20% emoção. A frase, que parecia apenas uma metáfora improvisada, soou curiosa justamente porque deixou de fora o elemento que marcou sua eleição: o amor. Ao deixar esse elemento fora da equação, surge uma dúvida: será que chegamos ao ponto de acreditar que o amor não existe mais? Popularmente, falar em química é sobre aquela afinidade imediata, um clique inexplicável entre duas pessoas. A ciência ajuda a traduzir essa sensação. No início dos relacionamentos, o cérebro libera dopamina e noradrenalina, responsáveis pela euforia, pelo frio na barriga e até por noites mal dormidas. Em paralelo, os níveis de serotonina caem, o que explica alguns pensamentos obsessivos e falta de racionalidade. Pesquisadores de Harvard demonstraram que, nesse estágio, áreas do cérebro ligadas ao julgamento crítico ficam menos ativas. É quando literalmente o amor se torna cego aos defeitos do outro. Esse primeiro estágio é arrebatador, mas instável. Depois de alguns meses ou até dois anos, a neuroquímica muda. Os níveis de cortisol e serotonina se estabilizam, e entram em cena hormônios como a ocitocina e a vasopressina. O primeiro promove confiança e aconchego; o segundo, apego e fidelidade. É quando a paixão intensa se transforma em algo mais estável: o amor deixa de ser incêndio para virar abrigo. A psicanálise acrescenta outra camada. Freud dizia que escolher um objeto de amor é, em parte, reencontrar algo já conhecido. Buscamos no outro ecos de vínculos da infância, repetições de padrões emocionais. Idealizamos e depositamos no parceiro o nosso anseio por completude. É nesse movimento que nasce a sensação de “alma gêmea”. Não como destino místico, mas como reflexo dos nossos desejos internos. O amor que idealizamos no outro, na verdade, começa dentro de nós.O encontro de almas, tão celebrado no romance, pode ser traduzido como um encontro entre nossas idealizações, química e familiaridade. Ainda assim, isso não o torna menos real. O que sentimos é autêntico, mesmo que não seja mágico. Há, no entanto, um ponto essencial: o amor só se sustenta quando vai além da química. Toda relação duradoura passa pela transformação do desejo. O fogo inicial se reinventa em cumplicidade, cuidado e parceria. Natural é desejar, mas fidelidade é escolha. Não é reflexo automático da biologia, mas um pacto simbólico sustentado pela palavra. É nessa dimensão que o amor mostra força. Quando o impulso se torna uma escolha racional, uma decisão. Na vida íntima, isso significa preservar individualidades, cultivar espaços, permitir saudade. O desejo precisa de mistério tanto quanto o amor precisa de proximidade. É nesse movimento entre proximidade e ausência que as relações se renovam. Na esfera coletiva, o amor também se manifesta como discurso. Foi com ele que uma campanha presidencial se ergueu, mobilizando corações ao prometer que o amor venceria o ódio. Esse mesmo amor, agora ausente de uma equação matemática sobre vínculos humanos, parece ter sido substituído pela lógica da química e da emoção. Será que a aproximação pode se tornar amor ou apenas, formas de ataques velados? Talvez seja exatamente aí que esteja nossa crise contemporânea: estamos confundindo intensidade com profundidade? A química nos aproxima, a emoção colore, mas é o amor que sustenta. Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp! WhatsApp A química é faísca, a emoção é chama, mas e o amor? É a fogueira que continua acesa quando sabemos alimentar com algumas lenhas. É a decisão de ficar, de pertencer, de cultivar a cumplicidade mesmo quando o fogo inicial já não arde do mesmo jeito. A pergunta que te faço: depois da química e da emoção, você escolhe o amor? Leia também Multidões, silêncios e telas: por que ainda nos sentimos tão sós?