Uma “gota de vidro” que resiste a marteladas e à pressão de prensas hidráulicas. Vídeos com essa cena devem ter aparecido para você em redes sociais como TikTok e Instagram. Se apareceram, provavelmente te deixaram intrigado.À primeira vista, o objeto parece desafiar as leis da física: enquanto a “cabeça” se mantém intacta diante de forças de toneladas, basta um toque leve na cauda para que ele se desfaça em milhares de fragmentos. Isso não é fake nem imagem gerada por inteligência artificial (IA). Esse fenômeno tem nome e história: trata-se da gota do Príncipe Rupert, enigma científico observado desde o século 17.De curiosidade que viralizou a enigma científico de 400 anos: o que é e como funciona a ‘gota de vidro’Criada a partir do resfriamento brusco de vidro fundido em água fria, a estrutura intriga pela combinação de resistência extrema e fragilidade absoluta. Este mistério mobilizou cientistas por séculos até ser finalmente explicado com tecnologias modernas. Mas vamos por partes.“Gota de vidro” intriga pela combinação de resistência extrema e fragilidade absoluta (Imagem: Hanna Karlsen/Store Norske Leksikon)Como a gota é formadaA gota do Príncipe Rupert nasce a partir de um processo simples, mas que gera efeitos extraordinários. Um pedaço de vidro fundido, ainda em alta temperatura, é deixado cair diretamente em água fria.Esse resfriamento rápido solidifica a parte externa quase instantaneamente, enquanto o interior ainda leva mais tempo para esfriar. O resultado é uma peça em formato de espermatozoide ou girino, com uma “cabeça” mais volumosa e uma “cauda” fina e alongada.Essa diferença de tempo no resfriamento cria tensões internas distintas: A superfície se contrai primeiro, comprimindo o interior que ainda está quente;Já o núcleo permanece sob esforço de tração, tentando se expandir. Essa combinação dá origem às propriedades incomuns da “gota”, na qual força e fragilidade coexistem dentro do mesmo objeto de vidro.Por que a ‘cabeça’ é tão resistente e a ‘cauda’ tão frágilA região mais volumosa da gota, conhecida como “cabeça”, é onde a compressão superficial se concentra. Como uma espécie de cinturão invisível, essa camada externa comprimida mantém o vidro sob intensa pressão, o que dificulta a formação e a propagação de trincas. Graças a esse “escudo”, a cabeça suporta impactos que vão de marteladas a prensas hidráulicas. Na prática, ela resiste a forças equivalentes a dezenas de toneladas.Já a “cauda”, por ser muito fina, funciona como um ponto de vulnerabilidade. Um leve toque é suficiente para iniciar uma microfissura nessa extremidade. Quando isso acontece, a energia acumulada no interior da gota é liberada de maneira violenta: as trincas se espalham em alta velocidade (mais de 6.000 km/h!). E a estrutura inteira se desfaz em milhares de fragmentos quase instantaneamente.Esse contraste extremo entre resistência e fragilidade é o que torna as “gotas” tão fascinantes – e também tão populares em vídeos de internet. @nutriadv Prince Rupert's Drop was created by dropping molten glass into cold water, the rapid cooling causes the exterior to solidify into a teardrop shape while the interior remains under high compressive stress. This structure gives the drop extraordinary strength—its bulbous end can withstand significant force or even hammer blows without breaking. However, the drop's tail is its Achilles' heel. Even a slight nick to the tail can cause the entire structure to explode into tiny fragments. This phenomenon occurs because the internal tension within the drop is released all at once, leading to its rapid disintegration. #hydraulicpress #fyp #blowup #xyzcba #scienceismagic #tiktok ♬ original sound – nutriadv O mistério e sua soluçãoAs primeiras “gotas” chegaram à Inglaterra no século 17, levadas pelo príncipe Rupert da Alemanha ao rei Carlos II. Intrigado, o monarca pediu que a recém-criada Royal Society estudasse o enigma.“Desde o século 17, cientistas renomados e filósofos naturais têm tentado compreender as propriedades excepcionais dessas gotas”, diz Srinivasan Chandrasekar, professor de engenharia industrial da Universidade Purdue.Robert Hooke e outros cientistas da época fizeram observações importantes. Mas as ferramentas disponíveis na época não permitiram desvendar completamente por que a cabeça era quase indestrutível enquanto a cauda desencadeava uma explosão instantânea.Só entre 1994 e 2016 que a ciência conseguiu desvendar o mistério por trás da gota do Príncipe Rupert (Imagem: Trevor Mahlmann/Universidade Purdue)A resposta só veio séculos depois. Em 1994, Chandrasekar e Munawar Chaudhri, de Cambridge, usaram câmeras de altíssima velocidade para registrar rachaduras se propagando da cauda à cabeça a milhares de quilômetros por hora.Em 2016, novas técnicas ópticas revelaram a chave do mistério: tensões de compressão na superfície mantêm a cabeça firme, enquanto o interior guarda forças de tração prontas para serem liberadas. “Esse vidro temperado naturalmente exibe uma resistência à fratura comparável à de muitos tipos de aço”, escreve Chandrasekar em artigo publicado pela Purdue.Leia mais:Comunidades online se tornam refúgios para jovens LGBTQIA+, dizem estudos4 dicas de segurança ao comprar no TikTok ShopComo encontrar e comprar produtos no TikTok ShopAplicações práticas hojeEmbora pareçam apenas uma curiosidade de laboratório, as gotas do Príncipe Rupert ajudaram a inspirar avanços tecnológicos que fazem parte do cotidiano. O princípio de criar tensões internas no vidro – compressão na superfície e tração no interior – é semelhante ao utilizado na fabricação de vidros temperados, aplicados em para-brisas de carros, janelas de segurança e até mesmo nas telas de celulares.Vidros temperados de telas de celulares recentes têm princípio encontrado dentro de “gota de vidro” que viralizou no TikTok (Imagem: chainarong06/Shutterstock)A lógica é a mesma: ao forçar o material a manter um estado de equilíbrio instável, cria-se uma camada externa altamente resistente a impactos. Isso garante maior durabilidade em situações de uso intenso, ao mesmo tempo em que direciona a quebra, caso ela ocorra, para fragmentos menos cortantes e mais seguros. Assim, um mistério de quatro séculos não apenas foi resolvido pela ciência moderna, como também se transformou em base para tecnologias essenciais no dia a dia.(Essa matéria usou informações de: G1 e blog da faculdade de Engenharia no site da Universidade Purdue.)O post Do TikTok a séculos passados: a ciência por trás da enigmática ‘gota de vidro’ apareceu primeiro em Olhar Digital.