Relatório do TCU diz que restrições a leilão em Santos são ilegais

Wait 5 sec.

O relatório final do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o leilão do novo superterminal de contêineres no Porto de Santos (SP) conclui que as restrições adotadas pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e pelo MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) violam os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade, baseando-se em riscos hipotéticos, sem evidência técnica suficiente para barrar a participação de concorrentes na disputa.Diante disso, os auditores sugerem ao ministro Antonio Anastasia, relator do processo no órgão de controle, que determine um leilão em etapa única e sem vedação aos atuais operadores de terminais em Santos.O relatório foi concluído na última quinta-feira (25) e obtido pela CNN. Ele é assinado por três técnicos da AudPortoFerrovia (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária). Leia Mais RIOGaleão assina termo que prevê novo leilão e saída da Infraero Parecer do Cade aponta risco à concorrência em leilão de terminal em Santos Justiça rejeita ação da Maersk sobre modelo de leilão em Santos Caso seja acatada pelo relator e aprovada pelos demais ministros do TCU, a proposta de determinação muda os rumos do leilão porque é de cumprimento obrigatório pela Antaq e pelo MPor.Outra proposta que consta do relatório, mas em formato de recomendação (de cumprimento não obrigatório), é uma mudança na cláusula sobre o requisito mínimo para qualificar os operadores aptos a participar do leilão.A agência e o ministério definiram a necessidade de experiência prévia em terminais com movimentação de pelo menos 100 mil TEUs (contêineres-padrão de 20 pés) ao ano.Para os auditores do TCU, há “ausência de fundamentação” para o estabelecimento de tal critério. Por isso, eles pedem ao ministro-relator que recomende à Antaq um requisito de qualificação operacional “objetivamente compatível” com a complexidade de operação do novo terminal.O Tecon Santos 10, com investimentos previstos de quase R$ 6 bilhões, deverá ter capacidade para 3,5 milhões de TEUs anuais e ampliar em 50% a movimentação de contêineres no maior porto da América Latina — que está à beira do esgotamento para lidar com esse tipo de carga.O leilão tem mobilizado um forte lobby empresarial e uma “guerra de pareceres” dentro da própria máquina pública.A Antaq definiu um modelo de leilão em duas fases. Na primeira, os atuais operadores de contêineres em Santos ficam impedidos de participar.Caso não haja propostas, os incumbentes passam a ser permitidos em uma segunda etapa. Se vencerem, são obrigados a vender seus ativos antes da assinatura do contrato do Tecon Santos 10.O MPor endossou o modelo sugerido pela Antaq, que desagrada fortemente à suíça MSC e à dinamarquesa Maersk. Elas são sócias no BTP, um dos três terminais em funcionamento no porto, e manifestam interesse no novo leilão.A francesa CMA CGM (controladora da Santos Brasil desde o ano passado) e a DPW (dos Emirados Árabes) também têm operações no porto, mas não demonstram apetite pelo Tecon Santos 10.O Ministério da Fazenda entrou nas discussões, por meio de um parecer da Seae (Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação), contrariando essa posição.A Seae defendeu um leilão em fase única, com cláusula de desinvestimento (venda obrigatória dos ativos atuais) caso um dos operadores em Santos arremate a concessão.Diante das pressões, Anastasia pediu uma manifestação da Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que se pronunciou na semana passada.O superintendente-geral, Alexandre Barreto, e a economista-chefe do órgão antitruste, Lilian Severino, apontaram a existência de riscos à concorrência portuária na eventual vitória de um dos incumbentes em Santos ou de armadores (companhias de navegação).No entanto, evitaram um parecer conclusivo e afirmaram que “análise definitiva sobre aspectos concorrenciais somente seria possível no contexto de uma análise de concentração econômica [a posteriori]”.“Para a realização de uma avaliação definitiva em relação à concessão do Tecon 10, o Cade precisaria estar diante de uma situação concreta”, disse a autarquia em nota técnica.A manifestação do órgão antitruste foi incorporada ao relatório final do TCU.Na sexta-feira (26), o secretário nacional de Portos, Alex Ávila, enviou ao tribunal de contas um novo ofício em que reitera a defesa do leilão em duas etapas e valorizando a entrada de novos operadores no estuário santista.Esse modelo, segundo Ávila, “não deve ser interpretado como restrição à disputa do certame, mas como medida de política pública voltada ao interesse coletivo”.“Ao fomentar a concorrência ao longo de todo o ciclo contratual, o poder concedente busca assegurar menores tarifas aos usuários, maior qualidade na prestação dos serviços e retorno mais amplo e duradouro ao país”, escreveu o secretário.Ávila ressaltou ainda que o leilão do Tecon 10 é “não somente” o maior do setor portuário nacional até hoje, mas a “última melhor oportunidade” de acentuar a concorrência na movimentação de contêineres em Santos.Chineses procuram governo para entrar em leilão de superterminal em Santos | FECHAMENTO DE MERCADORelatórioOs auditores pedem a Anastasia que determine um leilão em fase única, sem vedação de participantes, incluindo dispositivos que especifiquem:remédios definidos junto ao Cade para mitigar os riscos concorrenciais; ou a obrigatoriedade de desinvestimento apenas para os incumbentes armadores caso um deles arremate a concessão.A regra não valeria, portanto, para a DPW — que é uma operadora “bandeira branca” e sem fatia societária de companhias de navegação.“A restrição à competição no leilão, com seus custos concretos e imediatos, somente pode ser aceita quando compensada por um risco elevado e claramente demonstrado de que a participação dos agentes excluídos causaria efeitos anticompetitivos substanciais no mercado regulado”, afirma o relatório.“A adoção de medidas restritivas, portanto, deve estar ancorada em um juízo de razoável certeza sobre sua efetividade, e não apenas em cenários hipotéticos ou especulativos”.O relatório diz que a concentração operacional tem se firmado como “tendência inevitável” no setor, impulsionada por maior escala e eficiência logística, mas pega o exemplo de outros portos no mundo — como Hamburgo (Alemanha), Roterdã (Holanda) e Antuérpia (Bélgica) — para sustentar que a situação em Santos não se tornaria singular.Nas palavras da unidade técnica do TCU, o modelo com restrições proposto pela Antaq e endossado pelo MPor só poderia ser considerado legal se:Fosse lastreado em sólido estudo concorrencial;Estivesse baseado em elementos empíricos, não somente em conceitos abstratos e riscos hipotéticos;Avaliasse os ganhos oriundos de um processo de ampla competição com as perdas geradas por um processo concentrador;Levantasse os processos e investigações em andamento por abuso dos atuais operadores de contêineres em Santos e fizesse projeções futuras confiáveis;Não houvesse outro remédio igualmente eficiente à luz do princípio da proporcionalidade.“Toda a análise de concentração horizontal da Antaq partiu de uma avaliação fotográfica e não dinâmica do horizonte de eventos no curto prazo”, afirma o relatório de 176 páginas.O documento lembra, inclusive, que o Porto de São Sebastião (SP) também deve receber investimentos para permitir a movimentação de contêineres — o que tende a mitigar os riscos de concentração na zona de influência de Santos.“A proibição de participação de incumbentes, principalmente dos mais antigos localizados no complexo santista – DPW, MSC e Maersk – pune justamente aqueles que no passado apostaram, com riscos inerentes à atividade, no próprio porto e passa uma sinalização ruim ao mercado”, argumentam os auditores do TCU.“Nesse caso, não há demonstração de efeitos anticompetitivos concretos que justifiquem a intervenção ex-ante. A simples exclusão de players relevantes, sem evidência de risco iminente de abuso de poder de mercado, transforma-se em barreira regulatória desproporcional”.Porto de Santos já sofre impacto de tarifas de Trump, diz Autoridade Portuária | Abertura de Mercado