Megausina solar confirma protagonismo do Brasil em energia limpa

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Diante de um futuro ameaçado pelas mudanças climáticas e pela exploração desenfreada de recursos esgotáveis e altamente poluentes, como combustíveis fósseis, a busca por fontes de energia renováveis e sustentáveis se tornou uma das maiores missões do nosso tempo. Nesse cenário, o Brasil se destaca como um dos líderes do mundo na transição energética.Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), o país mantém uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta, com uma média de cerca de 90% da geração de energia proveniente de fontes renováveis nos últimos dois anos – 93,1% em 2023 e 88,2% em 2024.A liderança do Brasil é atestada por seu potencial natural e por políticas de incentivo que atraem investimentos. De acordo com o relatório mais recente da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), o país ocupa a 3ª posição no ranking mundial de capacidade de energia renovável instalada, com 213 GW. O Brasil é um dos líderes do mundo na transição energética. Crédito: MDV Edwards – ShutterstockEsse avanço é impulsionado por um ambiente de negócios promissor e pela crescente expansão da energia solar e eólica. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), já somos o 6º país que mais gera esse tipo de energia, por exemplo.Por tudo isso, o Brasil atrai a atenção de grandes empresas internacionais do setor energético. Uma delas é a Scatec, da Noruega, que está investindo em projetos inovadores no país, como a construção de uma nova usina de energia solar centralizada em Minas Gerais, com previsão de entrar em funcionamento no segundo semestre do ano que vem.O que é energia solar centralizadaPara entender a atuação da Scatec no Brasil, é importante saber o que é a energia solar centralizada. Enquanto a geração distribuída (GD) produz energia para consumo local, usando aqueles painéis nos telhados de casas e comércios que conhecemos, a energia centralizada é gerada em gigantescos parques solares, com painéis agrupados e conectados à rede elétrica para ser transmitida em grande escala para cidades e indústrias.Em entrevista ao Olhar Digital, o vice-presidente de projetos da Scatec para a América Latina, Aleksander Skaare, disse que “as usinas solares centralizadas se diferenciam das instalações residenciais, ou de geração distribuída, em termos de tamanho, conectividade e modelo de negócio”.O executivo explica que esses grandes parques solares são projetados para gerar centenas de megawatts, com o objetivo de vender a energia por meio de contratos de longo prazo (PPAs) ou no mercado livre, acrescentando que, “no Brasil, um terço da instalação solar é centralizada e outros 66% são GD”.A energia centralizada é gerada em gigantescos parques solares, com painéis agrupados e conectados à rede elétrica para ser transmitida em grande escala para cidades e indústrias. Na imagem, a usina Mendubim, em Assú, RN, segunda unidade instalada pela Scatec no Brasil. Crédito: Scatec/DivulgaçãoEm comparação com as hidrelétricas, que exigem a construção de grandes represas e dependem do volume de água para gerar energia, as usinas solares centralizadas, embora utilizem vastas áreas de terra, não causam o alagamento que altera o ecossistema e desloca comunidades. Como a fonte de energia é o Sol, essas instalações se tornam independentes de um recurso que pode ser escasso em períodos de seca.Além disso, enquanto o planejamento das usinas hidrelétricas depende de modelos de previsão de chuva que podem variar muito e ter um impacto direto nos reservatórios, a geração solar tem a vantagem da precisão. Skaare também reforça a questão econômica. “Em relação à eficiência econômica, os custos de investimento em energia solar centralizada são bem mais competitivos e bem menores do que os de uma hidrelétrica tradicional, o que viabiliza o investimento bem mais rápido”. O executivo acrescenta que um ponto que torna o investimento ainda mais vantajoso é a combinação da energia solar centralizada com o sistema de armazenamento em baterias (BESS). Segundo ele, essa tecnologia se tornou a alternativa de energia mais competitiva.Conforme aponta um estudo da Greener, empresa de pesquisa e consultoria especializada no setor de energia, a demanda por sistemas BESS no Brasil cresceu 89% em 2024, evidenciando o momento de expansão da tecnologia. Além de garantir a estabilidade da rede, ela permite armazenar energia em períodos de baixa demanda para ser utilizada durante picos, o que aumenta a eficiência e otimiza custos para o consumidor final.Vista aérea da Hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais. Comparadas às hidrelétricas, que alagam e dependem de água, usinas solares centrais ocupam grandes áreas, mas preservam ecossistemas e funcionam mesmo na seca. Crédito: ByDroneVideos – ShutterstockUm mercado em ascensão e a aposta de empresas globaisDe acordo com Skaare, várias empresas locais e internacionais desenvolvem usinas centralizadas no Brasil. “O mercado está em expansão. A geração centralizada é um dos pilares da transição energética do país. Desde 2021, quase 50% dos contratos de energia são PPAs corporativos. E tem uma meta muito forte de descarbonização”.PPA é a sigla para Power Purchase Agreement, que significa “Acordo de Compra e Venda de Energia”. De forma simples, é um contrato de longo prazo firmado entre um produtor de energia e um consumidor, que pode ser tanto uma empresa quanto um órgão público.Esse acordo garante a estabilidade do preço da energia por vários anos. Para o produtor, é uma segurança de receita que atrai investimentos e torna a construção de grandes usinas viável. Para o consumidor, a garantia de fornecimento a um valor fixo o protege das variações do mercado, que podem ser imprevisíveis.Aleksander Skaare, vice-presidente de projetos da Scatec para a América Latina. Crédito: Scatec/DivulgaçãoEm 2024, o Brasil registrou um crescimento significativo na capacidade instalada de energia solar, atraindo investimentos que somaram R$54,9 bilhões, segundo a Absolar. Esse montante impulsionou tanto projetos de grande porte, como usinas centralizadas, quanto sistemas de geração distribuída.Entre as principais multinacionais que desenvolvem e operam usinas no país, além da Scatec, destacam-se a Engie (França), Enel Green Power (Itália) e a EDP Renováveis (Portugal). A presença dessas gigantes no mercado brasileiro demonstra que a concorrência é acirrada, mas também confirma a posição do Brasil como um destino estratégico para o capital internacional no setor de energia renovável.“Tem concorrência, sim. Mas é o futuro”, diz Skaare. “Hoje, a energia solar é uma das fontes de energia mais econômicas. Então, faz sentido tanto investimento”.Leia mais:Transição energética vai além de mudar as fontes de energiaBrasil é estratégico para energia renovável, diz diretor de agência internacionalA maior turbina eólica das Américas está na Bahia! ConheçaGigante do setor energético da Noruega aposta em tecnologia inteligenteSegundo Skaare, a Scatec, que está presente em 19 países, vê no Brasil um ambiente favorável para seus negócios. A companhia norueguesa, que atua no país desde 2017, já está instalando a sua terceira usina aqui. Depois de Apodi, em Quixeré, no Ceará, e Mendubim, em Assú, no Rio Grande do Norte, a nova planta fica em Pintópolis, Minas Gerais.Batizada de Rio Urucuia, em referência ao rio de mesmo nome que passa pela região, ela tem 142 MW de capacidade, o que resulta em uma produção anual de aproximadamente 320 gigawatts por hora, que é o equivalente ao consumo anual de 120 mil residências.Por trás desses números impressionantes, está um sistema tecnológico de alta complexidade. Para garantir o melhor desempenho, a operação será monitorada 24 horas por dia por uma equipe de especialistas, com uma vasta rede de sensores instalados no local – uma prática comum em todas as plantas da empresa no mundo.Construção da usina Rio Urucuia, em Pintópolis, Minas Gerais. Crédito: ScatecEles coletam dados importantes sobre a temperatura ambiente, a velocidade do vento e até mesmo o grau de sujeira nos painéis. Essa coleta minuciosa de informações é essencial para otimizar a manutenção do local. Tudo isso assegura a máxima eficiência na geração de eletricidade, além de evitar desperdícios.Toda essa comunicação de dados, desde os painéis solares até os computadores do centro de operações, é feita de forma inteligente. Enquanto os rastreadores dos painéis usam comunicação sem fio, o restante dos equipamentos da usina é interligado por um sistema de fibra óptica. Essa tecnologia garante a velocidade e a segurança das informações que são processadas a todo momento.Usinas têm monitoramento centralizado na África do SulMendubim, a segunda usina instalada pela Scatec no Brasil, possui mais de um milhão de painéis solares e mais de 2.500 inversores, distribuídos em uma área de mil hectares, sendo um dos dois maiores projetos da empresa em todo o mundo. E, segundo Skaare, ela tem 25 funcionários. “É bem difícil para eles detectarem onde vai ter um possível problema de produção”.Sendo assim, além do monitoramento local de cada usina, a Scatec mantém um Centro Global de Operações (GOC) na Cidade do Cabo, África do Sul. De lá, uma equipe de especialistas supervisiona remotamente a operação de todas as unidades da companhia, incluindo a nova planta em Minas Gerais, para garantir sua alta eficiência.Centro Global de Operações (GOC) da Scatec na Cidade do Cabo, África do Sul. Crédito: ScatecO GOC usa dados de milhões de sensores para prever falhas e otimizar o desempenho das usinas, respondendo a incidentes como ventos fortes ou inundações, minimizando qualquer impacto na geração de energia. Isso permitiu, por exemplo, que a empresa mantivesse 70% de uma de suas usinas na Ucrânia operando após ser bombardeada pela Rússia.Com esse sistema, a equipe do GOC consegue realizar ações como corrigir algum defeito nos trackers e intervir em inversores que deixaram de produzir. Os trackers são suportes mecânicos que movem os painéis solares para que eles acompanhem o Sol. Skaare explica que a função é a mesma de um girassol que se move para seguir a luz: garantir que os painéis estejam sempre na posição ideal para gerar o máximo de energia possível.Por meio de um software que monitora a operação em tempo real, o GOC é capaz de enxergar anomalias, como fissuras nos painéis ou sombreamento, o que permite resolver os problemas na hora. “A necessidade desse controle é crucial, pois em um projeto como o de Rio Urucuia, que terá 200 mil painéis e 2 mil trackers, falhas em apenas 2% a 3% dos equipamentos já causariam um impacto significativo na geração e na receita da companhia”, explica Skaare.Maior economia do mundo “rema contra a maré”Em todo o mundo, a transição energética tem sido impulsionada por metas de descarbonização e por um crescimento acelerado das fontes renováveis, como a solar e a eólica. O relatório mais recente da Agência Internacional de Energia (IEA) mostra que o uso de fontes não-fósseis tem superado o crescimento da demanda por eletricidade, levando a um declínio na geração de energia poluente em algumas regiões.No entanto, essa tendência global encontra um ponto de contraste significativo na política dos EUA. Em 2025, o presidente Donald Trump reverteu as metas de descarbonização de seu antecessor, Joe Biden, e retirou o país do Acordo de Paris novamente, optando por uma agenda focada na expansão dos combustíveis fósseis – movimento que vai na contramão dos esforços globais para combater as mudanças climáticas e pode prejudicar o avanço da indústria de energia limpa na maior potência econômica do planeta.Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, na última terça-feira (23), Trump criticou a instituição e disse que as mudanças climáticas são uma “farsa”.O presidente dos EUA, Donald Trump, em discurso na 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 23 de setembro de 2025, disse que as mudanças climáticas são “uma farsa”. Crédito: ONU/Loey FelipeComo os EUA são a maior economia e o maior consumidor de energia do mundo, sua política de governo tem um enorme peso no cenário internacional. O incentivo a combustíveis fósseis, por exemplo, gera incerteza no mercado global de energia e pode enfraquecer os acordos para combater as mudanças climáticas.E qual o real impacto dessa postura na transição energética global e na agenda de investimentos em fontes limpas no Brasil? “A nova ordem mundial pode impactar o financiamento dos projetos de energia solar e as suas cadeias de suprimento”, explica Skaare. “Grande parte dos equipamentos que a gente vai instalar em uma usina centralizada no Brasil é importada. Então, a gente está constantemente monitorando. E também, os custos de financiamento dos projetos. Porque a gente conta com bancos internacionais que podem ser impactados pela situação geopolítica”.Segundo ele, a Scatec ainda não viu um impacto específico. “Mas precisamos continuar monitorando, porque isso pode mudar em um futuro próximo”.A Noruega é um dos maiores produtores de gás e petróleo do mundo e, por isso, tem assumido compromissos climáticos ambiciosos, apoiando a transição energética em nível internacional. Segundo Skaare, a Scatec participa ativamente dessas discussões, buscando se posicionar como parte da solução para os desafios globais.Na Semana do Clima de Nova York, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, destacou a importância dos combustíveis sustentáveis para enfrentamento das mudanças climáticas. Crédito: COP30/Presidência/DivulgaçãoCom esse objetivo, a empresa já confirmou presença na 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima (COP30) – que acontece de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Pará – e irá apoiar as agendas multilaterais. “Nosso foco na COP30 em relação à transição energética vai estar muito voltado ao armazenamento de baterias, à reciclagem de painéis solares e nossas ações globais de inclusão de gênero como parte de nossas diretrizes estratégicas de negócio”.A Scatec aposta muito na inclusão. Então, por exemplo, no Brasil, quando a gente fez a construção da Mendubim, nossa segunda usina, em Assú, Rio Grande do Norte, um dos pedidos das comunidades foi a contratação de mulheres no projeto. Isso faz parte do DNA da empresa. Sempre, independentemente dos países onde a Scatec opera ou vai construir, temos como estratégia a inclusão de gênero. Nosso projeto de Rio Urucuia, em Minas Gerais, emprega 664 pessoas. Dessas, 31% são de mão de obra local. E 75% daqueles funcionários são autodeclarados pardos ou negros. Isso está alinhado com nossa política de diversidade e contratação local.Aleksander Skaare, vice-presidente de projetos da Scatec para a América LatinaSkaare ressalta que usinas de energia solar centralizada geram reduções significativas de emissões em relação à geração fóssil. “A estimativa anual do projeto Rio Urucuia, por exemplo, é de reduzir o equivalente a 23 mil toneladas de emissões de carbono, com base na produção de 320 gigawatt-horas”.Inovação e Investimento Constroem o Futuro LimpoNo Brasil, o setor elétrico enfrenta debates importantes sobre liberalização do mercado, justiça tarifária e modernização regulatória. Mesmo sendo um dos maiores e mais dinâmicos mercados de energia renovável do mundo, o país ainda enfrenta desafios. Um deles é o “curtailment”, que significa redução forçada na geração de energia. Isso acontece quando a rede elétrica não consegue absorver toda a eletricidade disponível. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ajusta a produção para evitar instabilidade, mas isso reduz a energia gerada e, consequentemente, a receita das usinas.“Parte das soluções é a implementação de tecnologias de armazenamento, aliadas às usinas solares e eólicas, com baterias, e também modernizar a rede de transmissão e subestações no Brasil”, explica Skaare. “Mas isso demora. O foco está lá, mas a construção e implementação vai demorar”. Outra questão é a área fiscal. Incentivos, como descontos na TUST – tarifa pelo uso das linhas de transmissão – e redução de impostos para painéis solares têm sido eliminados gradualmente. Antes, esses descontos ajudavam a baratear os projetos; com sua retirada, o modelo financeiro das usinas fica menos vantajoso.Brasil é referência em energia renovável, como a eólica e a solar. Crédito: Dancing_Man – ShutterstockMesmo assim, o Brasil ainda se destaca globalmente nas energias renováveis. Como dito anteriormente, hoje, quase 90% da eletricidade do país vem de fontes limpas, e a energia solar tem papel cada vez mais forte. “Nos últimos dez anos, projetos solares centralizados se espalharam por vários estados, chegando a cerca de 17 GW de capacidade instalada. Isso tornou a energia solar familiar ao público brasileiro e fortaleceu o país na transição para fontes limpas”, afirma Skaare.A parceria entre o Brasil e empresas como a Scatec reforça a liderança do país na corrida por um futuro mais sustentável. O Brasil tem uma combinação única de recursos naturais, localização estratégica e um ambiente de negócios promissor. O projeto da usina de Rio Urucuia, com sua tecnologia de ponta e sua operação integrada a um sistema global, mostra que o país está pronto para ir além no setor.Eu gostaria de elogiar o Brasil como um dos líderes de energias renováveis do mundo. O país entende muito bem o papel crucial que tem na transição energética global. É um país que vem fazendo investimentos muito fortes em renováveis nos últimos dez anos. Além disso, o Brasil, além de ótimos recursos solares e eólicos, tem ótimos profissionais. Os projetos que fazemos neste país têm 90% de mão de obra local. Não só na construção, mas no desenvolvimento, no financiamento e na gestão de ativos. Tudo é feito por ótimos profissionais que foram contratados aqui no Brasil. E isso não é uma coisa que conseguimos em todos os países onde operamos.Aleksander Skaare, vice-presidente de projetos da Scatec para a América LatinaAinda há, é claro, obstáculos a serem superados, como a necessidade de mais investimentos em infraestrutura de transmissão e o aprimoramento de políticas públicas. No entanto, a tendência é que o Brasil continue a atrair mais investimentos. A matéria-prima para a energia limpa já existe em abundância e a tecnologia está cada vez mais acessível.Com isso, o país tem todas as condições para consolidar seu papel não só como um grande produtor de energia limpa, mas como um modelo de inovação e liderança na transição energética global. O post Megausina solar confirma protagonismo do Brasil em energia limpa apareceu primeiro em Olhar Digital.