Quem paga os desenvolvedores do Bitcoin?

Wait 5 sec.

Se um acionista da Google ou da Meta soubesse que a empresa demitiu todos os seus desenvolvedores, ele ficaria confiante no futuro da companhia? Provavelmente não. O Bitcoin, embora não seja uma ação nem uma empresa de tecnologia, também depende de desenvolvimento contínuo para sobreviver.A rede pode parecer sólida: blocos seguem sendo minerados, transações seguem sendo confirmadas. Mas por trás dessa aparência de estabilidade existe um ponto frágil e pouco discutido: quem mantém o software funcionando?Antes de ser moeda, ativo financeiro ou reserva de valor, o Bitcoin é um protocolo, um conjunto de regras que permite que milhares de computadores, os nós, se comuniquem de forma segura. Esse código precisa ser escrito, revisado e mantido. Sem isso, ele se torna obsoleto, e toda a promessa de descentralização, resistência à censura e soberania financeira desaparece.Muita gente imagina que o Bitcoin “se mantém sozinho”, mas até as partes invisíveis da rede passam por reformas profundas para que ela continue rápida, segura e preparada para o futuro. Depois de Satoshi Nakamoto, o banco de dados usado para armazenar o estado da rede foi substituído por um sistema mais rápido e confiável, o código de rede foi reescrito para acelerar a propagação de blocos e reduzir o consumo de banda, a sincronização de novos nós ficou muito mais rápida e segura, e dependências vulneráveis foram removidas e substituídas por bibliotecas de criptografia otimizadas. Tudo isso aconteceu longe dos holofotes, mas sem esse trabalho de bastidores o Bitcoin já teria travado ou quebrado há anos.Quem protege o código do Bitcoin?As vulnerabilidades reveladas recentemente no Bitcoin Core, de ataques simples que travam nós a problemas mais sutis de propagação de blocos, mostram que o Bitcoin só continua funcionando porque há gente olhando, testando e corrigindo.Fuzz testing, testes unitários e funcionais, monitoramento distribuído e ferramentas como o peer-observer são a linha de frente dessa defesa. Sem isso, ataques como addr flooding, netsplits ou mensagens adulteradas poderiam passar despercebidos até que a rede fosse afetada em larga escala. Cada CVE corrigido é uma prova de que o Bitcoin continua vivo não por inércia, mas pelo trabalho contínuo de desenvolvedores que testam, vigiam e reforçam o protocolo.Isso sem falar nos desenvolvedores que atuam na fronteira da pesquisa, experimentando e prototipando soluções para desafios que ainda nem chegaram. Há quem esteja explorando como escalar o modelo de UTXO para bilhões de usuários sem comprometer a descentralização, como permitir que um nó completo rode em dispositivos cada vez menores, mais baratos e acessíveis, e como projetar algoritmos de assinatura que resistam a computadores quânticos.Outros pesquisam formas de melhorar a privacidade sem sacrificar a auditabilidade, de tornar a propagação de blocos e transações mais eficiente em redes instáveis, e de criar novas linguagens ou estruturas de script que ampliem o que é possível construir sobre o Bitcoin sem abrir brechas de segurança. É um trabalho que exige tanto visão de longo prazo quanto domínio técnico profundo, e que garante que o Bitcoin não apenas sobreviva ao presente, mas esteja pronto para as ameaças e oportunidades das próximas décadas.Muitos repetem, em suas teses de investimento ou defesas apaixonadas do Bitcoin, que ele é open-source, auditável, e que qualquer pessoa pode ler o código e entender exatamente o que está acontecendo. Mas quantos de vocês já fizeram isso? Quantos conhecem alguém que tenha feito? A verdade é que estamos diante de uma tragédia dos comuns: todos assumem que “muita gente” está monitorando a rede, quando, na prática, boa parte desse trabalho é feita no Raspberry Pi que fica em cima da mesa de um jovem autodidata de vinte e poucos anos. É como naquele meme do xkdc que diz que toda a infraestrutura moderna da internet depende de uma biblioteca open-source mantida por um cara aleatório no Nebraska desde 2003. Vamos mesmo deixar isso acontecer com o Bitcoin?Dependency (xkcd)Um chamado para açãoMeta tem valor de mercado parecido com o do Bitcoin e emprega cerca de 20 mil desenvolvedores. O Bitcoin, com capitalização semelhante, conta com algo em torno de 40 desenvolvedores ativos. Muitos deles vivem de bolsas temporárias ou trabalham de forma voluntária, sem a segurança de empregos estáveis. Alguns poderiam ganhar múltiplas vezes mais em empresas de tecnologia, mas escolhem permanecer no Bitcoin por convicção.Diferente de outros projetos de software open source bem-sucedidos, o Bitcoin não tem uma empresa criadora, uma fundação com orçamento bilionário ou uma tesouraria recheada. Outras blockchains levantaram centenas de milhões de dólares em ICOs, receberam grandes rodadas de venture capital e criaram fundações que empregam dezenas de desenvolvedores com salários competitivos. No Bitcoin, não existe essa estrutura. Se a comunidade não financiar, ninguém mais vai financiar.Apesar de existirem organizações sérias dedicadas a captar recursos e financiar o trabalho de desenvolvedores, como o MIT Digital Currency Initiative, Chaincode Labs, Brink, LocalHost, OpenSats e Spiral, a origem dessas doações ainda é concentrada em um grupo muito pequeno de pessoas e empresas. A Vinteum é uma dessas organizações, com foco em apoiar desenvolvedores no Brasil e na América Latina, financiada por apoiadores como Wences Casares, John Pfeffer, Sebastian Serrano, e por instituições como OKX, Human Rights Foundation, Btrust e OpenSats. Até hoje, não contamos com doadores relevantes brasileiros. Grandes exchanges, empresas do ecossistema e early adopters que prosperaram com o Bitcoin precisam entender que o valor que acumularam só se sustenta se houver investimento constante na segurança e na evolução da rede. Sem essa base técnica sólida, não há segurança, não há confiança e, no longo prazo, não há valorização sustentável.Sobre o autorLucas Ferreira é o fundador da Vinteum, uma organização sem fins lucrativos dedicada à formação e financiamento de desenvolvedores open-source de Bitcoin no Brasil e em outros países. Ele também organiza a Satsconf, a maior conferência de Bitcoin da América Latina. Ex-integrante da Lightning Labs, Lucas atua na interseção entre desenvolvimento do protocolo do Bitcoin, educação e fortalecimento da comunidade.O post Quem paga os desenvolvedores do Bitcoin? apareceu primeiro em Portal do Bitcoin.